(em Português)
Autor, Sergio Vieira de Mello, Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos 2002-2003.Publicado no “O Estado de S. Paulo” no dia 1 de Junho de 2003.
Em Nota - Sergio Vieira de Mello iniciou a sua missão no Iraque a 2 de Junho de 2003.
" A preponderância militar dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha não deve levar-nos a pensar que a estabilidade internacional pode ser assegurada pela força. Se quisermos que o sistema internacional se baseie em algo mais do que a força ou o poder, os Estados terão de regressar à instituição que criaram: as Nações Unidas. Essa instituição enfrenta uma crise grave, pelo que ou se encontram maneiras de a resolver ou se têm de suportar pesadas consequências. Os debates sobre o Iraque, tanto antes da guerra como agora, demonstraram que as grandes potências foram incapazes de comunicar entre elas utilizando uma linguagem comum. E isto tem sido mais flagrante no seio das instituições globais. Desde a criação da ONU, o Conselho de Segurança foi responsável pela segurança e a Comissão de Direitos Humanos foi encarregada da protecção dos direitos humanos. Todavia, no caso do Iraque, o Conselho foi, e aparentemente continua a ser, incapaz de chegar a acordo sobre a segurança e o papel da ONU. Do mesmo modo, a Comissão de Direitos Humanos, cuja sessão anual terminou na sexta-feira, demonstrou a sua incapacidade de discutir os direitos humanos. Será que existe uma maneira de renovar, ou de reinventar, uma linguagem comum, que nos permita sair do impasse actual? Julgo que existe, desde que mudemos radicalmente a relação entre segurança e direitos humanos. No Conselho de Segurança, os debates incidiram sobre as armas de destruição maciça, uma questão clássica que lhe é muito familiar, desde a sua criação. Mas os seus membros não puderam, ou não quiseram, imaginar que o seu mandato ultrapassasse essa visão estreita. O Conselho não abordou as numerosas questões de evidente interesse para os seus membros, como a ausência de democracia no Iraque e as frequentes campanhas de terror contra os opositores políticos, reais ou imaginários, levadas a cabo pelo governo de então. Também não conseguiu abordar um assunto mais vasto: como lidar com os perigos graves para a paz e a segurança internacionais que representava um regime que violava de forma flagrante os direitos humanos dos seus cidadãos e que, levado pela tendência da brutalidade para ultrapassar fronteiras, chegara a atacar os seus vizinhos. No final, os principais participantes no debate deram a impressão de estar a falar de uma coisa, enquanto tinham outra em mente. Talvez os membros do Conselho de Segurança tenham entendido que era mais lógico discutir as questões de direitos humanos no âmbito da Comissão de Direitos Humanos. Mas nesta última sessão, muitos dos 53 Estados representados na Comissão sustentaram que não lhes competia debruçar-se sobre o Iraque, uma vez que o Conselho já se ocupava do problema. Outros defenderem que as questões ligadas ao Iraque tinham mais que ver com segurança do que com direitos humanos e, portanto, eram da responsabilidade do Conselho. Outros ainda sustentaram que o problema dos direitos humanos no Iraque era fundamentalmente uma questão de guerra – dado o elevado número de baixas civis – e não de violações desses direitos cometidas antes dela, no país. Mas, fosse qual fosse o argumento invocado, o desejo manifesto da maior parte dos Estados, tanto aqui, em Genebra, como em Nova Iorque, foi evitar iniciar uma discussão sobre os direitos humanos no Iraque. Durante as semanas que precederam a guerra no Iraque, falei com muitos dos principais actores nos debates do Conselho de Segurança. É óbvio, mas talvez valha a pena recordá-lo aqui, que nenhum deles expressou a menor animosidade contra a ONU; nenhum desejava que o Conselho de Segurança falhasse na tentativa de chegar a um consenso sobre o Iraque. O que não conseguiram foi encontrar uma maneira de abordar o problema – de o enquadrar politicamente – para alcançar um consenso. O impasse na Comissão de Direitos Humanos foi semelhante, talvez ainda mais grave. O que faltou a ambos os órgãos foi uma maneira de conceptualizar a segurança em termos de direitos humanos e de reconhecer que as violações flagrantes e sistemáticas dos direitos humanos se encontram, com frequência, no cerne da insegurança interna e internacional. O problema não é novo. Basta examinar a lista dos fracassos mais recentes das Nações Unidas, como a sua incapacidade de impedir o genocídio no Ruanda e o massacre de Srebrenica. O que têm esses fracassos em comum? Nos dois casos, tratou-se de situações de emergência, seguidas de horríveis carnificinas, cuja natureza não se enquadrava nos esquemas conceptuais do Conselho de Segurança nem da Comissão de Direitos Humanos. Não constituíam ameaças à segurança internacional no sentido reconhecido convencionalmente e compreendido pelo Conselho; e a Comissão de Direitos Humanos também não conseguiu ter a menor influência no desenrolar implacável dos acontecimentos. Foi esse o maior fracasso da nossa época: a impossibilidade de compreender a ameaça que as violações flagrantes e sistemáticas dos direitos humanos representavam para a segurança e a incapacidade de alcançar qualquer consenso sobre a maneira de responder a esse tipo de risco. E, agora que as vítimas no Iraque se contam aos milhares, não podemos deixar de constatar que o preço do nosso fracasso, que já era tragicamente elevado, está a aumentar. Devemos virar-nos para os Estados Membros das Nações Unidas, especialmente para os que são membros do Conselho de Segurança – sobretudo a China, os Estados Unidos, a França, o Reino Unido e a Rússia – para que eles se interroguem sobre esse fracasso e tentem superá-lo com base nas suas responsabilidades e não nas suas rivalidades. Criticar as Nações Unidas por não terem conseguido alcançar um consenso sobre o Iraque é passar ao lado do problema. Quando os Estados Membros ignoram as suas próprias regras de jogo ou desmantelam a sua própria arquitectura política colectiva, é injusto culpar a ONU ou o seu Secretário-Geral, cujos bons ofícios não são solicitados tão frequentemente quanto seria de desejar. Kofi Annan tem defendido incansavelmente o consenso sobre estas questões vitais, mas não pode impor esse consenso. Tal como eu não estou em posição de exercer a menor pressão sobre a Comissão, cujos mandatos são executados pelo meu Gabinete mas sobre a qual não tenho o menor poder de decisão ou de controlo. Em ambos os casos, o poder está – e muito bem – nas mãos dos Estados Membros e só deles. É a eles que compete encontrar uma maneira de o exercer, colocando os direitos humanos no cerne do conceito de segurança interna e internacional. Os Estados Membros das Nações Unidas têm uma oportunidade única. Pelas suas acções recentes, revelaram uma vez mais as deficiências da instituição que criaram, ao mesmo tempo que salientaram algumas das suas qualidades. Todos os Estados, em particular os membros do Conselho de Segurança, deviam aproveitar esta oportunidade para se debruçar seriamente sobre as suas relações e para ponderar maneiras de empreender uma reforma. As definições da segurança pouco adaptadas às realidades contemporâneas revelaram a sua inutilidade, na crise que acaba de atingir o mundo. Hoje em dia, é a população iraquiana, que já sofre há tanto tempo, que suporta as consequências, primeiro, da guerra, e, agora, de uma paz contestada e controversa. Não pode deixar de ser evidente que chegou a altura de todos os Estados redefinirem a segurança global, colocando os direitos humanos no centro deste debate. Para isso, cada nação deve exercer as suas responsabilidades de uma maneira proporcional aos seus meios. Só então os Estados responsáveis – e não aqueles que são meramente mais fortes – serão capazes de oferecer uma estabilidade duradoura ao nosso mundo".
(em Espanhol)
Redefinir la seguridad
Texto de Sergio Vieira de Mello, Alto Comisario de Naciones Unidas para los Derechos Humanos. Traducción de News Clips. Publiacado em EL PAÍS Opinión - 24-04-2003.
"La preponderancia militar de Estados Unidos y Gran Bretaña no debe inducirnos a pensar que la estabilidad internacional pueda garantizarse por la fuerza. Si el sistema internacional quiere basarse en algo distinto al poder, los Estados tendrán que volver a la institución que construyeron: Naciones Unidas. Esta institución se enfrenta a una grave crisis. Debemos encontrar formas de resolverla o afrontar consecuencias terribles. Los debates acerca de Irak antes de la guerra y ahora en el período subsiguiente han demostrado que las potencias del mundo son incapaces de hablar entre sí en un lenguaje común. Esto se ha visto de la manera más dramática en las instituciones globales. Desde el principio de Naciones Unidas, el Consejo de Seguridad ha sido responsable de la seguridad, y la Comisión de Derechos Humanos ha aspirado a proteger los derechos humanos.
Sin embargo, en el caso de Irak, el Consejo ha sido, y al parecer sigue siendo, incapaz de ponerse de acuerdo acerca de la seguridad y del papel de Naciones Unidas. De modo similar, la Comisión de Derechos Humanos, que se aproxima al final de su período de sesiones anual de seis semanas, está demostrando ser casi incapaz de discutir sobre los derechos humanos.
¿Existe una forma de renovar, o de redescubrir, un lenguaje común que nos pudiera sacar del actual punto muerto? Yo creo que sí la hay, siempre que podamos cambiar de forma radical la relación entre la seguridad y los derechos humanos. El debate del Consejo de Seguridad versó sobre las armas de destrucción masiva, una cuestión clásica de seguridad, y sumamente familiar para el Consejo de Seguridad desde su inicio. Fueron incapaces o les faltó la voluntad de imaginar que su mandato se extendiera más allá de esa estrecha base. El debate del Consejo no trató sobre las muchas otras cuestiones de interés evidente para los miembros, como la falta de democracia en Irak o los horrores sistemáticos infligidos por su Gobierno a los oponentes políticos, reales o imaginados. El Consejo de Seguridad se vio incapaz de hablar acerca de un tema más amplio, que era cómo ocuparse de los peligros de seguridad planteados por un Gobierno que violaba flagrantemente los derechos humanos de sus ciudadanos y que, dada la tendencia que tiene la brutalidad a forzar sus límites, a continuación se dedicó a atacar a sus vecinos. Al final, la impresión fue que los principales participantes en el debate hablaban de una cosa mientras tenían otras en mente.
Quizá los miembros del Consejo de Seguridad pensaron que sería más próprio abordar las cuestiones de derechos humanos en la Comisión de Derechos Humanos. Pero en el actual periodo de sesiones de la Comisión, muchos de los 53 Estados representados han estado alegando que ésta no debería considerar la cuestión de Irak, puesto que el Consejo de Seguridad ya lo estaba haciendo. Algunos mantenían que los asuntos iraquíes tenían que ver principalmente con la seguridad, no con los derechos humanos, y por tanto debían seguir siendo competencia del Consejo. Otra línea de argumentación sostenía que los derechos humanos en Irak eran esencialmente una cuestión relacionada con la guerra, dado el penoso coste de ésta en vidas de civiles, y no de las violaciones de los derechos humanos que precedieron durante largo tiempo al conflicto bélico. Sin embargo, el deseo manifiesto de la mayoría de los Estados, tanto en Ginebra como en Nueva York, ha sido evitar abrir una discusión sobre los derechos humanos en Irak. En las semanas anteriores al comienzo de la guerra en Irak, hablé con muchos de los protagonistas del debate del Consejo. Debería ser obvio, pero quizá merezca la pena mencionar que ninguno de ellos sentía animadversión hacia Naciones Unidas; ninguno quería que el Consejo de Seguridad no alcanzase un consenso sobre Irak. Lo que les faltaba era encontrar la manera de hablar acerca del problema -enmarcarlo políticamente- de forma que el Consejo de Seguridad pudiera alcanzar un consenso. El atolladero en la Comisión de Derechos Humanos es similar y quizás peor. Ambos foros de discusión carecieron de un modo de conceptuar la seguridad en cuestión de derechos humanos y reconocer que las violaciones graves de los derechos humanos constituyen muy a menudo el núcleo de la inseguridad interna e internacional.
No es un problema nuevo. Consideremos la lista de los últimos fracasos de Naciones Unidas, muy especialmente su incapacidad para evitar el genocídio en Ruanda y la masacre de Srebrenica. ¿Qué tenían estos en común? Eran emergencias graves, más tarde horribles matanzas, cuya naturaleza no encajaba en los esquemas conceptuales del Consejo de Seguridad y ni siquiera en los de la Comisión de Derechos Humanos. No eran amenazas a la seguridad internacional en el sentido en que el Consejo las reconoce y entiende convencionalmente, y la Comisión de Derechos Humanos tampoco fue capaz de producir algún impacto en su terrible avance. Este es el fracaso político distintivo de nuestra era: la incapacidad de comprender la amenaza para la seguridad que suponen las violaciones graves de los derechos humanos, y la incapacidad de lograr consensos prácticos a la hora de actuar contra tal amenaza. Sin duda ahora podemos ver, al contemplar la pérdida de miles de vidas en Irak, que el precio de nuestro fracaso se está haciendo mayor. Y ya era trágicamente alto.
Debemos recurrir a los Estados miembros de Naciones Unidas, especialmente a los que se sientan en el Consejo de Seguridad y sobre todo a China, Francia, Rusia, el Reino Unido y EE UU para lidiar con este fracaso y superarlo de alguna forma que se base en el examen de sus responsabilidades, no de sus rivalidades. Criticar a Naciones Unidas como tal por no alcanzar un consenso sobre Irak es equivocarse de plano. Cuando los Estados miembros enredan sus propias normas o desbaratan su propia arquitectura política colectiva, es un error culpar a Naciones Unidas o a su secretario general, cuyos buenos oficios no se emplean lo bastante a menudo. Kofi Annan ha abogado incansablemente en pro del consenso sobre estas cuestiones vitales, pero no puede forzarlo. Y yo tampoco estoy en situación de poder hacerlo en la Comisión de Derechos Humanos, cuyos mandatos son llevados a cabo por mi oficina, pero que yo no dirijo ni controlo. En ambos lugares, el poder reside justamente en los Estados miembros. Deben encontrar un modo de usarlo para tratar los derechos humanos como un factor esencial en la seguridad interna e internacional.
Los Estados miembros de Naciones Unidas tienen una oportunidad. Con sus últimas acciones, han puesto aún más de manifiesto algunas de las carências de la institución que crearon (pero también puesto de relieve algunos de sus puntos fuertes). Todos los Estados, especialmente los miembros del Consejo de Seguridad, deberían aprovechar esta oportunidad para examinar sus relaciones como es debido y estudiar los medios que hay para llevar a cabo una reforma. Las definiciones disfuncionales de la seguridad han revelado su inutilidad en la crisis que envuelve actualmente a nuestro mundo. Actualmente, el pueblo de Irak, que ha sufrido durante tanto tiempo, es quien soporta principalmente el dolor, primero de la guerra y ahora de una paz refutada y polémica. Tiene que quedar claro que ha llegado la hora de que todos los Estados redefinan la seguridad global, para situar los derechos humanos en el centro de este concepto. Al hacerlo, todas las naciones deben ejercer su responsabilidad de manera acorde con su fuerza.
Sólo entonces los Estados responsables, en lugar de los meramente fuertes, serán capaces de aportar una estabilidad duradera a nuestro mundo. "
Autor, Sergio Vieira de Mello, Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos 2002-2003.Publicado no “O Estado de S. Paulo” no dia 1 de Junho de 2003.
Em Nota - Sergio Vieira de Mello iniciou a sua missão no Iraque a 2 de Junho de 2003.
" A preponderância militar dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha não deve levar-nos a pensar que a estabilidade internacional pode ser assegurada pela força. Se quisermos que o sistema internacional se baseie em algo mais do que a força ou o poder, os Estados terão de regressar à instituição que criaram: as Nações Unidas. Essa instituição enfrenta uma crise grave, pelo que ou se encontram maneiras de a resolver ou se têm de suportar pesadas consequências. Os debates sobre o Iraque, tanto antes da guerra como agora, demonstraram que as grandes potências foram incapazes de comunicar entre elas utilizando uma linguagem comum. E isto tem sido mais flagrante no seio das instituições globais. Desde a criação da ONU, o Conselho de Segurança foi responsável pela segurança e a Comissão de Direitos Humanos foi encarregada da protecção dos direitos humanos. Todavia, no caso do Iraque, o Conselho foi, e aparentemente continua a ser, incapaz de chegar a acordo sobre a segurança e o papel da ONU. Do mesmo modo, a Comissão de Direitos Humanos, cuja sessão anual terminou na sexta-feira, demonstrou a sua incapacidade de discutir os direitos humanos. Será que existe uma maneira de renovar, ou de reinventar, uma linguagem comum, que nos permita sair do impasse actual? Julgo que existe, desde que mudemos radicalmente a relação entre segurança e direitos humanos. No Conselho de Segurança, os debates incidiram sobre as armas de destruição maciça, uma questão clássica que lhe é muito familiar, desde a sua criação. Mas os seus membros não puderam, ou não quiseram, imaginar que o seu mandato ultrapassasse essa visão estreita. O Conselho não abordou as numerosas questões de evidente interesse para os seus membros, como a ausência de democracia no Iraque e as frequentes campanhas de terror contra os opositores políticos, reais ou imaginários, levadas a cabo pelo governo de então. Também não conseguiu abordar um assunto mais vasto: como lidar com os perigos graves para a paz e a segurança internacionais que representava um regime que violava de forma flagrante os direitos humanos dos seus cidadãos e que, levado pela tendência da brutalidade para ultrapassar fronteiras, chegara a atacar os seus vizinhos. No final, os principais participantes no debate deram a impressão de estar a falar de uma coisa, enquanto tinham outra em mente. Talvez os membros do Conselho de Segurança tenham entendido que era mais lógico discutir as questões de direitos humanos no âmbito da Comissão de Direitos Humanos. Mas nesta última sessão, muitos dos 53 Estados representados na Comissão sustentaram que não lhes competia debruçar-se sobre o Iraque, uma vez que o Conselho já se ocupava do problema. Outros defenderem que as questões ligadas ao Iraque tinham mais que ver com segurança do que com direitos humanos e, portanto, eram da responsabilidade do Conselho. Outros ainda sustentaram que o problema dos direitos humanos no Iraque era fundamentalmente uma questão de guerra – dado o elevado número de baixas civis – e não de violações desses direitos cometidas antes dela, no país. Mas, fosse qual fosse o argumento invocado, o desejo manifesto da maior parte dos Estados, tanto aqui, em Genebra, como em Nova Iorque, foi evitar iniciar uma discussão sobre os direitos humanos no Iraque. Durante as semanas que precederam a guerra no Iraque, falei com muitos dos principais actores nos debates do Conselho de Segurança. É óbvio, mas talvez valha a pena recordá-lo aqui, que nenhum deles expressou a menor animosidade contra a ONU; nenhum desejava que o Conselho de Segurança falhasse na tentativa de chegar a um consenso sobre o Iraque. O que não conseguiram foi encontrar uma maneira de abordar o problema – de o enquadrar politicamente – para alcançar um consenso. O impasse na Comissão de Direitos Humanos foi semelhante, talvez ainda mais grave. O que faltou a ambos os órgãos foi uma maneira de conceptualizar a segurança em termos de direitos humanos e de reconhecer que as violações flagrantes e sistemáticas dos direitos humanos se encontram, com frequência, no cerne da insegurança interna e internacional. O problema não é novo. Basta examinar a lista dos fracassos mais recentes das Nações Unidas, como a sua incapacidade de impedir o genocídio no Ruanda e o massacre de Srebrenica. O que têm esses fracassos em comum? Nos dois casos, tratou-se de situações de emergência, seguidas de horríveis carnificinas, cuja natureza não se enquadrava nos esquemas conceptuais do Conselho de Segurança nem da Comissão de Direitos Humanos. Não constituíam ameaças à segurança internacional no sentido reconhecido convencionalmente e compreendido pelo Conselho; e a Comissão de Direitos Humanos também não conseguiu ter a menor influência no desenrolar implacável dos acontecimentos. Foi esse o maior fracasso da nossa época: a impossibilidade de compreender a ameaça que as violações flagrantes e sistemáticas dos direitos humanos representavam para a segurança e a incapacidade de alcançar qualquer consenso sobre a maneira de responder a esse tipo de risco. E, agora que as vítimas no Iraque se contam aos milhares, não podemos deixar de constatar que o preço do nosso fracasso, que já era tragicamente elevado, está a aumentar. Devemos virar-nos para os Estados Membros das Nações Unidas, especialmente para os que são membros do Conselho de Segurança – sobretudo a China, os Estados Unidos, a França, o Reino Unido e a Rússia – para que eles se interroguem sobre esse fracasso e tentem superá-lo com base nas suas responsabilidades e não nas suas rivalidades. Criticar as Nações Unidas por não terem conseguido alcançar um consenso sobre o Iraque é passar ao lado do problema. Quando os Estados Membros ignoram as suas próprias regras de jogo ou desmantelam a sua própria arquitectura política colectiva, é injusto culpar a ONU ou o seu Secretário-Geral, cujos bons ofícios não são solicitados tão frequentemente quanto seria de desejar. Kofi Annan tem defendido incansavelmente o consenso sobre estas questões vitais, mas não pode impor esse consenso. Tal como eu não estou em posição de exercer a menor pressão sobre a Comissão, cujos mandatos são executados pelo meu Gabinete mas sobre a qual não tenho o menor poder de decisão ou de controlo. Em ambos os casos, o poder está – e muito bem – nas mãos dos Estados Membros e só deles. É a eles que compete encontrar uma maneira de o exercer, colocando os direitos humanos no cerne do conceito de segurança interna e internacional. Os Estados Membros das Nações Unidas têm uma oportunidade única. Pelas suas acções recentes, revelaram uma vez mais as deficiências da instituição que criaram, ao mesmo tempo que salientaram algumas das suas qualidades. Todos os Estados, em particular os membros do Conselho de Segurança, deviam aproveitar esta oportunidade para se debruçar seriamente sobre as suas relações e para ponderar maneiras de empreender uma reforma. As definições da segurança pouco adaptadas às realidades contemporâneas revelaram a sua inutilidade, na crise que acaba de atingir o mundo. Hoje em dia, é a população iraquiana, que já sofre há tanto tempo, que suporta as consequências, primeiro, da guerra, e, agora, de uma paz contestada e controversa. Não pode deixar de ser evidente que chegou a altura de todos os Estados redefinirem a segurança global, colocando os direitos humanos no centro deste debate. Para isso, cada nação deve exercer as suas responsabilidades de uma maneira proporcional aos seus meios. Só então os Estados responsáveis – e não aqueles que são meramente mais fortes – serão capazes de oferecer uma estabilidade duradoura ao nosso mundo".
(em Espanhol)
Redefinir la seguridad
Texto de Sergio Vieira de Mello, Alto Comisario de Naciones Unidas para los Derechos Humanos. Traducción de News Clips. Publiacado em EL PAÍS Opinión - 24-04-2003.
"La preponderancia militar de Estados Unidos y Gran Bretaña no debe inducirnos a pensar que la estabilidad internacional pueda garantizarse por la fuerza. Si el sistema internacional quiere basarse en algo distinto al poder, los Estados tendrán que volver a la institución que construyeron: Naciones Unidas. Esta institución se enfrenta a una grave crisis. Debemos encontrar formas de resolverla o afrontar consecuencias terribles. Los debates acerca de Irak antes de la guerra y ahora en el período subsiguiente han demostrado que las potencias del mundo son incapaces de hablar entre sí en un lenguaje común. Esto se ha visto de la manera más dramática en las instituciones globales. Desde el principio de Naciones Unidas, el Consejo de Seguridad ha sido responsable de la seguridad, y la Comisión de Derechos Humanos ha aspirado a proteger los derechos humanos.
Sin embargo, en el caso de Irak, el Consejo ha sido, y al parecer sigue siendo, incapaz de ponerse de acuerdo acerca de la seguridad y del papel de Naciones Unidas. De modo similar, la Comisión de Derechos Humanos, que se aproxima al final de su período de sesiones anual de seis semanas, está demostrando ser casi incapaz de discutir sobre los derechos humanos.
¿Existe una forma de renovar, o de redescubrir, un lenguaje común que nos pudiera sacar del actual punto muerto? Yo creo que sí la hay, siempre que podamos cambiar de forma radical la relación entre la seguridad y los derechos humanos. El debate del Consejo de Seguridad versó sobre las armas de destrucción masiva, una cuestión clásica de seguridad, y sumamente familiar para el Consejo de Seguridad desde su inicio. Fueron incapaces o les faltó la voluntad de imaginar que su mandato se extendiera más allá de esa estrecha base. El debate del Consejo no trató sobre las muchas otras cuestiones de interés evidente para los miembros, como la falta de democracia en Irak o los horrores sistemáticos infligidos por su Gobierno a los oponentes políticos, reales o imaginados. El Consejo de Seguridad se vio incapaz de hablar acerca de un tema más amplio, que era cómo ocuparse de los peligros de seguridad planteados por un Gobierno que violaba flagrantemente los derechos humanos de sus ciudadanos y que, dada la tendencia que tiene la brutalidad a forzar sus límites, a continuación se dedicó a atacar a sus vecinos. Al final, la impresión fue que los principales participantes en el debate hablaban de una cosa mientras tenían otras en mente.
Quizá los miembros del Consejo de Seguridad pensaron que sería más próprio abordar las cuestiones de derechos humanos en la Comisión de Derechos Humanos. Pero en el actual periodo de sesiones de la Comisión, muchos de los 53 Estados representados han estado alegando que ésta no debería considerar la cuestión de Irak, puesto que el Consejo de Seguridad ya lo estaba haciendo. Algunos mantenían que los asuntos iraquíes tenían que ver principalmente con la seguridad, no con los derechos humanos, y por tanto debían seguir siendo competencia del Consejo. Otra línea de argumentación sostenía que los derechos humanos en Irak eran esencialmente una cuestión relacionada con la guerra, dado el penoso coste de ésta en vidas de civiles, y no de las violaciones de los derechos humanos que precedieron durante largo tiempo al conflicto bélico. Sin embargo, el deseo manifiesto de la mayoría de los Estados, tanto en Ginebra como en Nueva York, ha sido evitar abrir una discusión sobre los derechos humanos en Irak. En las semanas anteriores al comienzo de la guerra en Irak, hablé con muchos de los protagonistas del debate del Consejo. Debería ser obvio, pero quizá merezca la pena mencionar que ninguno de ellos sentía animadversión hacia Naciones Unidas; ninguno quería que el Consejo de Seguridad no alcanzase un consenso sobre Irak. Lo que les faltaba era encontrar la manera de hablar acerca del problema -enmarcarlo políticamente- de forma que el Consejo de Seguridad pudiera alcanzar un consenso. El atolladero en la Comisión de Derechos Humanos es similar y quizás peor. Ambos foros de discusión carecieron de un modo de conceptuar la seguridad en cuestión de derechos humanos y reconocer que las violaciones graves de los derechos humanos constituyen muy a menudo el núcleo de la inseguridad interna e internacional.
No es un problema nuevo. Consideremos la lista de los últimos fracasos de Naciones Unidas, muy especialmente su incapacidad para evitar el genocídio en Ruanda y la masacre de Srebrenica. ¿Qué tenían estos en común? Eran emergencias graves, más tarde horribles matanzas, cuya naturaleza no encajaba en los esquemas conceptuales del Consejo de Seguridad y ni siquiera en los de la Comisión de Derechos Humanos. No eran amenazas a la seguridad internacional en el sentido en que el Consejo las reconoce y entiende convencionalmente, y la Comisión de Derechos Humanos tampoco fue capaz de producir algún impacto en su terrible avance. Este es el fracaso político distintivo de nuestra era: la incapacidad de comprender la amenaza para la seguridad que suponen las violaciones graves de los derechos humanos, y la incapacidad de lograr consensos prácticos a la hora de actuar contra tal amenaza. Sin duda ahora podemos ver, al contemplar la pérdida de miles de vidas en Irak, que el precio de nuestro fracaso se está haciendo mayor. Y ya era trágicamente alto.
Debemos recurrir a los Estados miembros de Naciones Unidas, especialmente a los que se sientan en el Consejo de Seguridad y sobre todo a China, Francia, Rusia, el Reino Unido y EE UU para lidiar con este fracaso y superarlo de alguna forma que se base en el examen de sus responsabilidades, no de sus rivalidades. Criticar a Naciones Unidas como tal por no alcanzar un consenso sobre Irak es equivocarse de plano. Cuando los Estados miembros enredan sus propias normas o desbaratan su propia arquitectura política colectiva, es un error culpar a Naciones Unidas o a su secretario general, cuyos buenos oficios no se emplean lo bastante a menudo. Kofi Annan ha abogado incansablemente en pro del consenso sobre estas cuestiones vitales, pero no puede forzarlo. Y yo tampoco estoy en situación de poder hacerlo en la Comisión de Derechos Humanos, cuyos mandatos son llevados a cabo por mi oficina, pero que yo no dirijo ni controlo. En ambos lugares, el poder reside justamente en los Estados miembros. Deben encontrar un modo de usarlo para tratar los derechos humanos como un factor esencial en la seguridad interna e internacional.
Los Estados miembros de Naciones Unidas tienen una oportunidad. Con sus últimas acciones, han puesto aún más de manifiesto algunas de las carências de la institución que crearon (pero también puesto de relieve algunos de sus puntos fuertes). Todos los Estados, especialmente los miembros del Consejo de Seguridad, deberían aprovechar esta oportunidad para examinar sus relaciones como es debido y estudiar los medios que hay para llevar a cabo una reforma. Las definiciones disfuncionales de la seguridad han revelado su inutilidad en la crisis que envuelve actualmente a nuestro mundo. Actualmente, el pueblo de Irak, que ha sufrido durante tanto tiempo, es quien soporta principalmente el dolor, primero de la guerra y ahora de una paz refutada y polémica. Tiene que quedar claro que ha llegado la hora de que todos los Estados redefinan la seguridad global, para situar los derechos humanos en el centro de este concepto. Al hacerlo, todas las naciones deben ejercer su responsabilidad de manera acorde con su fuerza.
Sólo entonces los Estados responsables, en lugar de los meramente fuertes, serán capaces de aportar una estabilidad duradera a nuestro mundo. "