(...)Todo este processo mental é, alias, reforçado pelo jusracionalismo humanitarista, marcado pela procura de um direito natural alcançável pelo esforço racional, sendo de destacar as teses de Samuel Pufendorf (1632-1694), que apela para a solidariedade universal, e de J. C. Wolff (1679-1754) que visiona uma civitas maxima.
Estes autores são os primeiros a ligar os projectos de república universal a uma consequente paz pelo direito, defendendo um modelo de Estado-razão em nítido confronto com a razão de Estado.
A partir deles surge um novo conceito de direito natural, onde a dialéctica entre o ser e o dever-ser, deixa de girar entre as normas ditadas pelos homens, na cidade terrena, e uma ordem transcendente, marcada pela lei divina, conformando-se o chamado jusracionalismo, segundo o qual todo o transcendente passa a ser alcançável pelo esforço racional do homem, cuja inteligência pode fazer dimanar normas imutáveis no espaço e no tempo.
O jusracionalismo, contudo, considera a existência de um ius publicum universale sob ratione justi, contrariamente ao que advogavam as teses de Hobbes e o maquiavelismo da razão de Estado, dando-se, portanto, um certo regresso ao direito como medida ou limite do político, tal como o útil se torna dependente do justo.
Surge, assim, o direito público europeu que o nosso Solano Constâncio define como uma espécie de código comum, o qual, apesar de muitas infracções parciais, formava o direito das gentes em toda a Europa até à época da repartição da Polónia e da revolução da França .
Era o direito das gentes nascido do equilíbrio europeu resultante da Paz de Vestefália, aquele conjunto de princípios que a nossa lei de 18 de Agosto de 1769 mandava aplicar como direito subsidiário, em matérias políticas, económicas e mercantis, na falta de leis pátrias, qualificando-o como as leis das nações civilizadas, das nações Christãs illuminadas e polidas.
Samuel Pufendorf (1632-1694), professor em Heidelberg no seu De Jure Naturae et Gentium libri octo, de 1672, desenvolve os princípios de Hobbes e Grócio, através de um modelo sintético-compendiário que será uma espécie de magna glosa do despotismo iluminado, principalmente, depois da tradução francesa de 1706, de J. Barbeyrac .
Por seu lado, Christian Wolff (1679-1754), retomando Leibniz, volta à concepção medieval de humana civilitas, em Institutiones Juris Naturae et Gentium, defendendo que esta sociedade estabelecida entre todas os Estados, tendo em vista a salvação comum das mesmas, toma o nome de civitas maxima, cujos membros, ou por assim dizer, os cidadãos, são os Estados . Ela seria uma societas universalis omnium hominum e deveria ser tratada como uma societas necessaria .
Christian Thomasius (1655-1728) refere também uma societas gentium que não seria uma respublica universalis, mas uma societas aequalis que não teria imperium e teria de se assumir como imperfectior civitate , admitindo a existência de uma sociedade mais perfeita que os Estados, societas perfectior civitate, e distinguindo entre uma societas inter plures respublicas confoederatas, que se constitui apenas para um objecto definido (certae utilitatis gratia) de um systema civitatum, que é uma união perpétua e tem fins indefinidos — perpetua unio (...) indefinitae gratiae causa .
A partir desta distinção, alguns autores da época consideravam que o primeiro modelo é o das uniões pessoais (sub uno capite), enquanto o segundo já se vislumbra nas uniões reais. Se as primeiras seriam foedera simplicia, aproximando-se das confederações, dos corpora confoederatorum, das Ligas de Estados ou Staatenbünde, já as segundas, as systemata civitatum, constituiriam um novo corpus, são uniões, formando federações (Bundesstaat).
O Abade de Saint-Pierre, em 1713, na véspera do Tratado de Utreque de 1714, publica um Projet pour rendre la paix perpétuelle en Europe, em que tenta conciliar as várias soberanias da Europa (o imperador alemão, o imperador da Rússia, o reis de França, Espanha, Inglaterra, Dinamarca, Suécia, Polónia, Portugal, Prússia, Nápoles e Sardenha, os Estados-Gerais holandeses, o soberano de Roma, os eleitores da Baviera, do Palatinado, os eleitores eclesiásticos do Império, os suíços e a república de Veneza). Recorde-se que, desde 1700, os europeus viviam a Guerra de Sucessão de Espanha, com a França de Luís XIV, apenas apoiada pela Baviera, tendo de que enfrentar a Grande Aliança de Haia, com as Províncias Unidas, a Inglaterra, o Imperador, a maior parte dos príncipes alemães, Portugal e Sabóia.
Charles-Irinée Castel de Saint-Pierre (1658-1743), capelão da duquesa de Orleães, foi assessor do cardeal Melchior de Polignac, no Congresso de Utreque, entre 1710 e 1712, tendo publicado, no ano seguinte, o seu Projet, em três grossos e fastidiosos volumes que tiveram um Abregé, feito pelo próprio autor, em 1729, com 227 páginas.
Ligando o seu projecto ao suposto plano de Henrique IV, diz que o mesmo foi por este rei inventé, e, dedicando-o a Luís XIV, vai, no entanto, bem mais longe: descobri que, se as 18 soberanias da Europa, para se conservarem no presente governo, para evitarem a guerra entre elas e para se procurar todas as vantagens de um comércio perpétuo de nação a nação, querem fazer um tratado de união e um congresso perpétuo pouco mais ou menos segundo o mesmo modelo das sete soberanias da Holanda, ou das três soberanias das Suíças, ou das soberanias da Alemanha, descobri, digo, que o grande poder dos mais fortes não poderia prejudicá-los, a não ser que cada um fosse exactamente fiel a promessas recíprocas, que o comércio jamais seja interrompido e que todos os futuros diferendos terminem sem guerra e pela via da arbitragem.
Nestes termos, desdobra o respectivo plano, numa série de artigos: no artigo 1º, uma aliança perpétua entre os soberanos (haverá, a partir de agora, entre os soberanos que assinarem os cinco presentes artigos, uma aliança perpétua para se garantirem nos séculos vindouros das guerras estrangeiras e civis; para se manterem e suas famílias na posse da soberania, segundo a ordem estabelecida nas suas nações respectivas; para diminuírem as despesas militares e aumentarem a segurança pública; para aperfeiçoarem o comércio, leis e instituições de seus Estados; para terminarem prontamente sem riscos nem despesas os litígios futuros; para, enfim, terem a certeza da execução das promessas e tratados recíprocos) ; no artigo 2º, determinava-se que todos os meses os plenipotenciárioas dos soberanos aliados fixariam a quantia com que, na proporção às suas rendas, contribuirá cada Estado para as despesas da grande aliança; no artigo 3º, estabelecia-se que os soberanos aliados nunca mais recorreriam às armas para decidirem as questões que entre eles se levantarem e submeter-se-iam à decisão dos plenipotenciários dos aliados que não entrassem no litígio; no artigo 4º fixava-se que se algum dos aliados recusasse obediência às decisões dos congressos, e se se rebelasse contra ele, a grande aliança o forçaria a submeter-se, e seria obrigado a pagar as despesas que para isso se fizessem; no artigo 5º, fixava-se a possibilidade de revisão do pacto por simples maioria, a não ser para estes cinco artigos, para os quais se requeria a unanimidade, bem como para o caso de qualquer modificação das fronteiras existentes entre os Estados membros .
Todos os Estados que tivessem, pelo menos, um milhão e duzentos mil súbditos, disporiam de um número de votos igual, enquanto os pequenos Estados teriam de se unir para atingir o quorum estabelecido. As decisões do Senado seriam tomadas por maioria e ratificadas, seis meses depois, por uma maioria de dois terços.
No plano militar, previa-se que cada Estado, em tempo de paz, não poderia ter uma força armada superior a seis mil homens. Já em tempo de guerra, o Senado Europeu, sedeado rotativamente em Estrasburgo e em Dijon, nomearia um generalíssimo, que não poderia ser membro de qualquer casa soberana, e constituir-se-ia uma força de quinhentos mil homens, vinte e quatro mil por cada Estado. Condenava-se também qualquer espécie de diplomacia secreta entre os Estados membros.
Finalmente, considerava que todas as soberanias terão sempre os mesmos limites que actualmente dispõem, não podendo qualquer território ser desmembrado de qualquer soberania, nem qualquer outro poderá ser acrescentado por sucessão, pacto entre diferentes casas, eleição, doação, cessão, venda, conquista, submissão voluntária dos súbditos ou qualquer outra forma .
O projecto vale evidentemente como mais uma das boas intenções totalmente inadequadas às circunstâncias daquele equilíbrio absolutista e mercantilista, dado que, nos anos seguintes, novas guerras se seguem, aproveitando os pretextos das sucessões, num confronto entre Habsburgos e Bourbons, como a Guerra de Sucessão da Polónia (1733-1738), a guerra da sucessão da Áustria (1740-1748) e a Guerra dos Sete Anos (1756-1763).
É evidente que o projecto não convinha aos estadistas de então, dado que não só impunha, às soberanias existentes, os limites do direito (a sociedade organizada dos Estados deverá garantir os direitos e a vida de cada Estado) como pretendia conservá-las ou congelá-las nos limites que tinham atingido (todas as soberanias terão sempre os mesmos limites que têm presentemente, nenhum território poderá ser desmembrado de qualquer soberania, e nenhum outro poderá ser acrescentado por sucessão, pacto de casas diferentes, eleição, doação, cessão, venda, conquista, submissão voluntária de súbditos ou qualquer outro).
Estávamos em pleno apogeu do século da força e dos Estados em movimento, onde cada soberano adoptava a máxima que Hobbes atribuíra ao Leviathan em 1651: non est potestas super terram quae comparetur ei. Estávamos num tempo onde a medida do direito era a utilidade e onde cada soberano tinha tantos direitos quanto os respectivos poderes, pelo que cada Estado era um lobo para os outros Estados, numa guerra de todos contra todos.
Contudo, ao contrário do que sucedera com os outros projectistas da paz, o Abade é lido pela opinião crítica da république des lêtres de então, principalmente por Rousseau e por Kant.
Rousseau, por exemplo, em 1756, foi encarregue pela família e pelos amigos do abade de resumir aquilo que qualificava como um fatras de vingt volumes. Em 1761, numas contidas, objectivas e elegantes quarenta páginas publica um Extrait du Projet de Paix Perpétuelle de l'Abbé de Saint Pierre, e, em 1782, volta a referir-se à mesma num Jugement sur la Paix Perpétuelle .
Neste, acusa os soberanos europeus de serem egoístas e ambiciosos pelo facto de não aceitarem as propostas do abade, porque graças ao projecto, caso pudesse ser realizado por pessoas honestas, seria possível estabelecer a république européenne num instante, o que seria suficiente para a fazer durar eternamente, dado que cada um poderia encontrar pela experiência o seu proveito particular no bem comum .
Só que os príncipes não vêem o seu interesse real mas apenas o seu interesse aparente. E aqui eis que Rousseau, em nome do realismo, critica o utopismo do Abade: ele tinha tanto prazer em ver funcionar a sua máquina que dificilmente sonhava nos meios de a fazer andar; a sua imaginação enganava perpetuamente a sua razão .
Assim, tenta corrigir a versão do abade invocando em seu auxílio o grand dessein de Henrique IV, dado acreditar que os meios de realizar a Europa só poderiam realizar-se pela força, para se mudar o estado de coisas: ninguém viu, em nenhum lado, ligas federativas estabelecerem-se a não ser através de revoluções: e, na base deste princípio, quem de nós ousará dizer se esta liga europeia é para desejar ou para recear? .
Se raciocinámos com exactidão ao expor este plano, está demonstrado: 1º que o estabelecimento da paz perpétua depende unicamente do consentimento dos soberanos, e a única dificuldade para a sua realização é a existência que eles lhe possam opor; 2º que esta instituição por todos os modos lhes seria útil, e que não há comparação possível entre os inconvenientes e as suas vantagens; 3º que é razoável supor que a vontade dos soberanos esteja de acordo com os seus interesses; 4º finalmente que esta instituição, organizada conforme o plano proposto, seria sólida e durável e preencheria perfeitamente o seu fim.
Isto não quer dizer que os soberanos adoptarão este projecto (quem pode responder pela vontade de outrem?) mas que o adoptariam se conhecessem os seus verdadeiros interesses; porque, é preciso que se note, não supusemos os homens tais como deviam ser: bons, generosos, desinteressados e amando o bem público por humanidade; mas tais como são: injustos, ávidos e preferindo a tudo o seu interesse.
A única coisa que lhes supusemos foi a razão suficiente para conhecer o que lhes é útil, e o ânimo bastante para fazerem a própria felicidade. Se, apesar de tudo isto, ficar sem execução este projecto, não é porque seja quimérico; mas sim porque os homens são insensatos, e é uma espécie de loucura ser sábio no meio de loucos
Mas Rousseau, nesta crítica a Saint-Pierre, faz ele também uma teoria sobre a união europeia, distinguindo a ideia antiga de confederação, à maneira das anfictionias gregas, das modernas, e considerando que nenhuma daquelas iguala a perfeição do Corpo Germânico, da liga helvética e dos Estados Gerais . Isto é, o genebrino Rousseau, confessa-se adepto do modelo do Sacro Império e coloca, na sua linha de desenvolvimento, tanto o modelo da Suíça como o dos Países Baixos.
Mas diz mais: se acha que estes modelos antigos e modernos são confederações políticas, expressas na legislação dos povos, haveria outras tácitas, mas não menos reais, formadas pela analogia dos costumes, dos interesses mútuos, por uma religião e um direito das gentes comum, pelo comércio, artes e ciências, enfim pela multiplicidade de relações de todo o género. Essa espécie de sociedade seria a então existente na Europa .
O Extrait de Rousseau faz circular o projecto do Abade. Voltaire dedica-lhe o seu Rescrit de l'Empereur de la Chine à l'occasion du projet de Paix Perpétuelle, onde o imperador da China chama, ao autor do projecto, l'abbé Saint-Pierre d'Utopie e constrói um modelo alternativo cuja execução atribui a Frederico II .
Kant (1724-1804), em Ideen zu einer Geschichte der Menschheit in Weltbürgerlicher Absicht, de 1784, defende uma república universal em que cada Estado, mesmo o mais pequeno, pudesse esperar a sua segurança e os seus direito, não do seu próprio poder ou do seu próprio juízo jurídico, mas apenas dessa grande sociedade das nações (foedus amphictyonum), duma força unida e da decisão da vontade comum fundamentada em leis .
A república universal (Weltrepublik) em Kant constitui, assim, um mero princípio regulativo, um mero imperativo categórico. O mesmo imperativo que impõe um Estado-razão, enquanto exigência para se superar o estado de natureza, visando estabelecer o reinado do direito na sociedade das nações. E isto porque a paz pelo direito não é uma quimera, mas um problema a resolver, consequência do reinado do direito, que o progresso um dia estabelecerá .
Nessa obra, Kant considera que o maior problema da espécie humana, a cuja solução a natureza força o homem, é o estabelecimento de uma sociedade civil, que administre universalmente o direito, isto é, a criação de uma sociedade, em que a liberdade, submetida a leis externas, se encontre ligada, o mais estreitamente possível, a um poder irresistível, isto é, à criação duma constituição civil e perfeitamente justa . Ora este problema é, simultaneamente, o mais difícil e o que mais tardiamente é resolvido pela espécie humana , porque o problema do estabelecimento de uma constituição civil perfeita depende do problema das relações legais entre os Estados, e não pode ser resolvido sem se encontrar a solução deste segundo .
Por visionária que esta ideia possa parecer (...) ela é todavia a inevitável saída do estado de miséria em que os homens se põem uns aos outros, miséria essa que há-de forçar os Estados (por muito que lhes custe) exactamente à resolução a que foi forçado, embora contra a sua vontade, o homem selvagem: a de renunciar à sua brutal liberdade e procurar tranquilidade e segurança numa constituição legalmente estabelecida. Assim, todas as guerras são apenas outras tantas tentativas (não na intenção dos homens, mas na da natureza) para suscitar novas relações entre os Estados, e, através da destruição, ou pelo menos do desmembramento dos antigos, formar novos corpos, que por sua vez não são capazes de se manter em si mesmos ou em relação aos outros, pelo que terão de passar por novas e semelhantes revoluções; até que, finalmente, em parte devido à melhor ordenação possível da constituição civil, internamente, em parte devido a acordos comuns e à legislação, externamente, se conseguirá um estado de coisas que, à semelhança de uma comunidade civil, será capaz de se manter por si mesmo como um autómato .
Contudo, é no seu opúsculo Projecto Filosófico da Paz Perpétua (Zum ewigen Frieden ein philosophischer Entwurf), de 1795 que o modelo atinge as suas culminâncias .
Na primeira secção desta obra, elabora uma série de artigos preliminares tendo em vista uma paz perpétua entre os Estados:
1º Nenhum tratado de paz deve valer como tal, se o mesmo foi concluído reservando-se tacitamente matéria para uma guerra futura.
Para Kant, tal tipo de tratado de paz não passaria de um armistício de uma suspensão das armas que, não poderia considerar-se como um estado de paz perpétua.
2º Nenhum Estado independente (pequeno ou grande, pouco importa aqui) poderá ser adquirido por outro Estado, por herança, troca, compra ou doação.
Porque um Estado não é um ter, um património, mas sim uma sociedade humana.
3º Os exércitos permanentes (miles perpetuus) devem ser inteiramente suprimidos com o tempo.
4º Não podem contrair-se dívidas públicas tendo em vista conflitos externos do Estado.
5º Nenhum Estado deve intervir pela força na constituição e no governo de um outro Estado.
6º Nenhum Estado, em guerra com outro, deve permitir hostilidades de natureza tal que tornem impossível a confiança recíproca por ocasião da futura paz: por exemplo: a utilização de assassinatos, de envenenamentos, da violação de uma capitulação, da maquinação da traição no Estado com o qual se está em guerra.
Na segunda secção, enumera os artigos definitivos tendo em vista a paz perpétua entre os Estados:
1º Em todo o Estado a constituição deve ser republicana.
Neste sentido, considera que a constituição primeiramente instituída seguindo os princípios da liberdade pertence aos membros de uma sociedade (enquanto homens); em segundo lugar, seguindo os princípios da dependência de todos, de uma única legislação comum (enquanto súbditos) e, em terceiro lugar, conforme à igualdade desses súbditos (como cidadãos).
2º O direito das gentes deve ser fundado sobre um federalismo de Estados livres.
É que para Kant, os povos, enquanto Estados, podem ser julgados como os indivíduos; no seu estado de natureza (isto é, independentes de leis que lhe sejam exteriores) lesam-se mutuamente, a começar pelo facto de serem vizinhos e cada um, tendo em vista a respectiva segurança, pode e deve exigir do outro, que ambos se submetam a uma constituição, semelhante à constituição civil onde cada um possa ver o seu direito garantido. Isto constituiria uma liga de povos (Völkerbund) que não seria necessariamente um Estado de povos (Völkerstaat ou civitas gentium). Nisso haveria uma certa contradição, dado que qualquer Estado, com efeito, compreende a relação de um superior (o legislador) com um inferior (aquele que obedece, isto é, o povo); mas muitos povos num Estado não constituiria senão um povo (porque devemos aqui ter em conta os direitos recíprocos dos povos enquanto constituem um número determinado de Estados diferentes sem os confundir num só Estado) o que contradiz a hipótese .
Mais acrescenta: o método utilizado pelos Estados para prosseguir o seu direito nunca pode ser um processo como perante um tribunal exterior, mas unicamente a guerra; pela qual, todavia, como pelo seu resultado favorável, a vitória, nada é decidido relativamente ao direito; o tratado de paz de facto põe fim à guerra presente (...) mas não ao estado de guerra .
Deste modo, teríamos um Estado de povos (civitas gentium) que (...) englobaria finalmente todos os povos da terra.
3º O direito cosmopolita deve limitar-se às condições de hospitalidade universal
A hospitalidade era entendida como o direito que tem um estrangeiro, por ocasião da sua chegada ao território de outrem, de não ser tratado como um inimigo.
Constituiria uma defesa da moralização da política. Contra as máximas sofísticas do fac et excusa, do si fecisti, nega, do divide et impera, que constituiriam as astúcias utilizadas pela sabedoria imoral.
Assim, o acordo da política com a moral só é possível numa união federativa — Genossenschaft — (que é portanto dada à priori, e necessária segundo os princípios de direito); e toda a prudência política tem por base jurídica a instituição desta união, dando-lhe o maior desenvolvimento possível.
Kant critica a ideia da monarquia universal, considerando-a como um despotismo sem alma, depois de ter aniquilado os germes do bem, acaba sempre por conduzir à anarquia , defendendo as leis públicas de uma liga de povos que crescerá sempre e abraçará finalmente todos os povos da terra .
Como espaço intermédio, acredita numa simples aliança confederativa entre Estados soberanos: pode chamar-se a esta espécie de aliança (Verein) de alguns Estados, fundada na manutenção da paz, um Congresso permanente dos Estados, à qual é permitido a cada um dos Estados vizinhos associar-se. Tal foi (pelo menos no que diz respeito às formalidades do direito das gentes, relativamente à manutenção da paz) a assembleia dos Estados Gerais que teve lugar em Haia na primeira metade deste século e onde os ministros da maior parte das cortes da Europa, e mesmo as mais pequenas repúblicas, apresentaram as suas queixas contra as hostilidades promovidas por uns contra os outros e fizeram assim de toda a Europa como um só Estado federado, que transformaram em árbitro dos seus diferendos políticos (...) Não é, pois, preciso aqui entender por Congresso senão uma espécie de união voluntária e revogável a qualquer tempo, de diversos Estados e não como a dos Estados Unidos da América, uma união fundada numa constituição política e, portanto, indissolúvel. Só assim pode realizar-se a ideia de um direito público das gentes que acabe com os diferendos entre os povos de uma maneira civil, como através de um processo e não de uma maneira bárbara (à maneira dos selvagens), isto é, pela guerra .
Para ele, o direito dos Estados (Staatenrecht, ius publicum civitatum) é um direito deficiente ou precário, havendo que constituir uma união de Estados (Staatsverein) ou um Estado dos povos (Völkerstaat, civitas gentium), com um direito cosmopolítico (Weltbürgerrecht, ius cosmopoliticum), um direito das gentes que geraria uma liga de povos (Völkerbund) que não teria poder soberano, constituindo uma espécie de federação (Genossenschaft, Föderalitat, foedus Amphyctionum), sempre denunciável, tudo, dentro da sua classificação tripartida do direito público, num crescendo que vai do direito político (Staatsrecht), passa pelo direito das gentes (Völkerrecht), até chegar ao direito cosmopolítico .
Outros autores seguem na mesma senda jusracionalista. Gaetano Filangieri (1762-1786), com o império da paz e da razão, considera que, com o despotismo esclarecido, havia chegado a paz perpétua:
Para ele, a estabilidade das monarquias, formada por uma espécie de liga e de confederação geral, opondo uma barreira à ambição dos príncipes, os obriga a voltarem as suas vistas para os verdadeiros interesses das Nações. Não se ouvem mais retinir à roda dos tronos senão palavras de reforma e de leis; prepara-se uma revolução útil aos direitos e à felicidade dos homens; as desordens debaixo de que eles gemem têm aparecido aos olhos dos soberanos com os sinais espantosos que os acompanham; os seus ouvidos não são mais feridos, como em outro tempo, pelo estrondo das armas; e eles têm escutado os gemidos de uma multidão de vítimas que imola todos os dias uma legislação bárbara e obscura; já se ocupam de todas as partes em curar tantos males; de todas as partes uma fermentação salutífera vai fazer nascer a felicidade pública .
Giambattista Vico (1668-1774), nos seus Prinzipi di una Scienza Nuova intorno alla Commune Natura delle Nazione, Nápoles, 1725, diz que omnis orbis terrarum respublicae un civitas magna cuius Deus hominisque habet communionem . É que, na idade dos homens, haveria uma equidade natural que reina naturalmente nas repúblicas livres, onde os povos, cada qual pelo seu bem particular (e sem entenderem que é o mesmo para todos) são levados a ditar leis universais , dado existir na natureza humana uma língua mental comum a todas as nações .
Montesquieu (1689-1755), em De l'Esprit des Lois, de 1748, considera que as coisas são tais na Europa que todos os Estados dependem uns dos outros. A França tem necessidade da opulência da Polónia e da Moscóvia, como a Guiana tem necessidade da Bretanha e a Bretanha de Anjou, falando na Europa como um Estado composto de várias províncias e utilizando também os qualificativos de Grand République, république fédérative mixte, état plus grand e societé de societés .
O suíço Emerich de Vattel (1714-1767), em Le Droit des Gens ou Principes de la Loi Naturelle appliqués à la conduite et aux affaires des nations et des souverains, de 1758, considera a Europa como uma societé des nations, cujos membros, embora autónomos, se unem para manter uma ordem apoiada na liberdade .
Em 1782, Pierre-André Gargaz, sob os auspícios de Benjamin Franklin, vê por este ser publicado um Projecto de Paz Universal e Perpétua, sob o título de Conciliation de toutes les Nations de l'Europe. O mesmo Franklin observava, então, numa carta escrita a um amigo francês: não descortino porque que não podereis levar a termo na Europa o projecto do bom rei Henrique IV e formar uma união federal e uma grande república de todos os Estados e reinos diferentes, por meio de uma convenção análoga .
Entre 1786 e 1789, Jeremy Bentham (1747-1832) elaborou a Plan for an Universal and Perpetual Peace, mas que apenas foi publicado postumamente, em 1843, como o quarto ensaio dos seus Principles of International Law .
Considerando que a guerra é uma espécie de processo, proclama a necessidade de estabelecimento de um tribunal, sem o que haverá guerra. A decisão dos árbitros, justa ou injusta, salvará a honra e os interesses da nação condenada.
Tentando evitar a guerra, Bentham, o nomocrata, propõe a redacção de um código de leis internacionais, aperfeiçoando as leis já existentes e transformando em lei o que até aí era costume, acreditando que muitas guerras tiveram por única ou principal causa a ignorância ou a incompetência de um legista ou de um geómetra .
Aí imagina a instauração de uma dieta geral ou de uma assembleia das nações, composta por dois deputados por cada potência, a quem caberia julgar as questões que se levantassem entre os Estados, tornar públicas em todos os países federados as suas decisões e proclamar, depois de um certo prazo, em público pregão, nos diversos Estados da Europa, o nome da nação refractária .
Bentham, em vez de se dirigir a príncipes e soberanos, diz dirigir-se aos povos e considera, como elementos prévios da paz, tanto o free trade e a liberdade de imprensa, como a redução dos armamentos e a emancipação das colónias, porque estas tanto seriam uma eterna causa de discórdias e um pretexto para a manutenção e o fomento do proteccionismo .
Mesmo depois da Revolução Francesa, vários autores continuam a pugnar por um modelo de unificação europeia assente na linha mundialista de um projecto de paz perpétua, marcado pelas boas intenções do humanismo laico.
Em 1799, o luterano de obediência morávia, Friedrich von Hardenberg Novalis (1772-1801), em Die Christenheit oder Europa, criticando a Reforma, por ter quebrado a unidade da respublica christiana, considera que talvez a Europa venha a acordar, talvez estejamos na aurora de um Estado dos Estados, de uma Ciência Política (...) é preciso que venha o tempo sagrado da paz eterna, onde a Nova Jerusalém seja a capital .
Considerando que só a religião pode restaurar a Europa, invoca a necessidade de uma paz eterna que só espiritualmente poderia realizar-se, reclama a instauração de uma internacional mística, tal como fôra a Igreja Católica na Idade Média, a única forma que visiona para superar a razão de Estado e a luta dos egoísmos nacionais .
No ano de 1800, sob o nome de Anarcharsis Cloots, pseudónimo de um prussiano de ascendência holandesa, surgiu outro Project de Paix Générale et Perpétuelle, dirigido ao rei de Espanha, onde o ideal unitário da Revolução se volvia num modelo cosmopolita, susceptível de, pelo nivelamento, ser extensivo a todo o género humano . O mesmo autor, já em 21 de Abril de 1792, enviara à Convenção um escrito denominado La République Universelle, onde preconizava uma República Mundial centralizada, cuja capital seria Paris e que ele qualificava como a República dos Homens, dos Irmãos, dos Universais .
No projecto de 1800 defende a constituição em Roma de um tribunal da Europa composto por um membro de cada potência europeia, com a missão de julgar qualquer questão política; garantir uma paz geral e perpétua, e fazer respeitar o direito das gentes, também dito Lei das Nações . O mesmo seria perpétuo e permanente, reunindo duas vezes por semana , cabendo-lhe, do mesmo modo, governar a cidade eterna e os monumentos de Roma, em vez do papa . Aí também se estabelece um curioso programa de desarmamento: em 1805 seriam desmobilizados metade dos exércitos da terra e do mar; em 1810, a totalidade das forças armadas, mantendo-se, contudo, no Mediterrâneo uma força suficiente para enfrentar os piratas barbarescos, se eles continuassem o sistema de pilhagem . Assim se poderia dar ao comércio a maior liberdade possível .
Em 1807, Gondon, com novo Projecto de Paz Geral e Perpétua, condena o modelo vigente de equilíbrio europeu, pelo facto do mesmo assentar na oposição entre blocos rivais e, tentando superar a questão, faz uma divisão entre a independência civil, que continuaria a caber aos Estados, e o domínio político, que passaria a caber à Europa . Ai retoma as ideias de Bentham sobre a paz assente na liberdade de comércio e, rejeitando a fórmula federal, por poder prejudicar a liberdade de cada Estado, propõe um Estado maior que formaria um só governo político; seria este Estado uma sociedade geral composta por várias sociedades particulares, onde os príncipes, sem nada perder da sua soberania, se tornarão, por assim dizer, uns relativamente aos outros, cidadãos para a paz e a felicidade dos povos .
Em 1814, Karl Krause (1781-1832), em Entwurf eines europäischen Saatenbundes als Basis des allgemeinen Friedens ("Projecto de confederação europeia com base numa paz geral"), considera que a confederação jurídica mundial (Erdrechtsbund) constitui o fim último da história do direito.
Um capítulo especial merecem, contudo, os livre-cambistas, como Adam Smith, defensores daquilo que List considera como uma economia cosmopolita, marcados pela ideia cosmopolita da liberdade absoluta , de uma economia humanitária onde a ideia de paz perpétua serve de base a todos os seus argumentos .
Neste sentido, Jean-Baptiste Say pede explicitamente que se admita a existência de uma república universal para conceber a ideia da liberdade do comércio . List cita a propósito o smithiano norte-americano Thomas Cooper que nega mesmo a existência da nacionalidade: uma invenção gramatical, imaginada unicamente para poupar perífrases, uma não-entidade, qualquer coisa que não tem existência a não ser na cabeça dos homens políticos .
Comentando estas posições, List considera que as mesmas assentam sobre uma ideia verdadeira que não tomaram em conta as nacionalidades, os seus interesses, o seu estado particular, e de os conciliar com a ideia de união universal e da paz perpétua. A escola admitiu como realizado um estado de coisas a vir. Pressupõe a existência da associação universal e da paz perpétua, e daí conclui sobre as grandes vantagens da liberdade do comércio. Confunde assim o efeito com a causa. A paz perpétua, existe entre províncias e Estados já associados; é desta associação que derivou a respectiva união comercial; devem à paz perpétua em que vivem as vantagens que esta lhes concedeu. Todos os exemplos que nos apresenta a história mostram-nos que a união política precede a união comercial. Ela não contribui para nada sempre que a segunda cortou o acesso à primeira. No estado actual do mundo, a liberdade do comércio levaria, em lugar da república universal, à sujeição universal dos povos, à supremacia da potência preponderante nas manufacturas, no comércio e na navegação.
A república universal, tal como a entendiam Henrique IV e o abade de Saint-Pierre, isto é, uma associação na qual todas as nações reconheceriam entre si um regime legal renunciariam a fazer justiça por elas mesmas, não é realizável a não ser que um certo número atinja um certo grau de igualdade de indústria e de civilização, de educação política e de poder. A liberdade do comércio não pode estender-se a não ser pelo desenvolvimento gradual desta união; é apenas através dela que se torna possível conceder a todos os povos as grandes vantagens que as províncias e os Estados associados nos oferecem hoje como exemplo. O sistema protector, enquanto o único meio de elevar os Estados menos avançados em civilização ao nível da nação preponderante (...) aparece (...) como o mais poderoso produtor da associação final dos povos, e por consequência da liberdade do comércio .
Link,http://www.iscsp.utl.pt/cepp/teoria_das_relacoes_internacionais/jusracionalismo_humanitarista.htm, consultado a 13 de Julho de 2006
Estes autores são os primeiros a ligar os projectos de república universal a uma consequente paz pelo direito, defendendo um modelo de Estado-razão em nítido confronto com a razão de Estado.
A partir deles surge um novo conceito de direito natural, onde a dialéctica entre o ser e o dever-ser, deixa de girar entre as normas ditadas pelos homens, na cidade terrena, e uma ordem transcendente, marcada pela lei divina, conformando-se o chamado jusracionalismo, segundo o qual todo o transcendente passa a ser alcançável pelo esforço racional do homem, cuja inteligência pode fazer dimanar normas imutáveis no espaço e no tempo.
O jusracionalismo, contudo, considera a existência de um ius publicum universale sob ratione justi, contrariamente ao que advogavam as teses de Hobbes e o maquiavelismo da razão de Estado, dando-se, portanto, um certo regresso ao direito como medida ou limite do político, tal como o útil se torna dependente do justo.
Surge, assim, o direito público europeu que o nosso Solano Constâncio define como uma espécie de código comum, o qual, apesar de muitas infracções parciais, formava o direito das gentes em toda a Europa até à época da repartição da Polónia e da revolução da França .
Era o direito das gentes nascido do equilíbrio europeu resultante da Paz de Vestefália, aquele conjunto de princípios que a nossa lei de 18 de Agosto de 1769 mandava aplicar como direito subsidiário, em matérias políticas, económicas e mercantis, na falta de leis pátrias, qualificando-o como as leis das nações civilizadas, das nações Christãs illuminadas e polidas.
Samuel Pufendorf (1632-1694), professor em Heidelberg no seu De Jure Naturae et Gentium libri octo, de 1672, desenvolve os princípios de Hobbes e Grócio, através de um modelo sintético-compendiário que será uma espécie de magna glosa do despotismo iluminado, principalmente, depois da tradução francesa de 1706, de J. Barbeyrac .
Por seu lado, Christian Wolff (1679-1754), retomando Leibniz, volta à concepção medieval de humana civilitas, em Institutiones Juris Naturae et Gentium, defendendo que esta sociedade estabelecida entre todas os Estados, tendo em vista a salvação comum das mesmas, toma o nome de civitas maxima, cujos membros, ou por assim dizer, os cidadãos, são os Estados . Ela seria uma societas universalis omnium hominum e deveria ser tratada como uma societas necessaria .
Christian Thomasius (1655-1728) refere também uma societas gentium que não seria uma respublica universalis, mas uma societas aequalis que não teria imperium e teria de se assumir como imperfectior civitate , admitindo a existência de uma sociedade mais perfeita que os Estados, societas perfectior civitate, e distinguindo entre uma societas inter plures respublicas confoederatas, que se constitui apenas para um objecto definido (certae utilitatis gratia) de um systema civitatum, que é uma união perpétua e tem fins indefinidos — perpetua unio (...) indefinitae gratiae causa .
A partir desta distinção, alguns autores da época consideravam que o primeiro modelo é o das uniões pessoais (sub uno capite), enquanto o segundo já se vislumbra nas uniões reais. Se as primeiras seriam foedera simplicia, aproximando-se das confederações, dos corpora confoederatorum, das Ligas de Estados ou Staatenbünde, já as segundas, as systemata civitatum, constituiriam um novo corpus, são uniões, formando federações (Bundesstaat).
O Abade de Saint-Pierre, em 1713, na véspera do Tratado de Utreque de 1714, publica um Projet pour rendre la paix perpétuelle en Europe, em que tenta conciliar as várias soberanias da Europa (o imperador alemão, o imperador da Rússia, o reis de França, Espanha, Inglaterra, Dinamarca, Suécia, Polónia, Portugal, Prússia, Nápoles e Sardenha, os Estados-Gerais holandeses, o soberano de Roma, os eleitores da Baviera, do Palatinado, os eleitores eclesiásticos do Império, os suíços e a república de Veneza). Recorde-se que, desde 1700, os europeus viviam a Guerra de Sucessão de Espanha, com a França de Luís XIV, apenas apoiada pela Baviera, tendo de que enfrentar a Grande Aliança de Haia, com as Províncias Unidas, a Inglaterra, o Imperador, a maior parte dos príncipes alemães, Portugal e Sabóia.
Charles-Irinée Castel de Saint-Pierre (1658-1743), capelão da duquesa de Orleães, foi assessor do cardeal Melchior de Polignac, no Congresso de Utreque, entre 1710 e 1712, tendo publicado, no ano seguinte, o seu Projet, em três grossos e fastidiosos volumes que tiveram um Abregé, feito pelo próprio autor, em 1729, com 227 páginas.
Ligando o seu projecto ao suposto plano de Henrique IV, diz que o mesmo foi por este rei inventé, e, dedicando-o a Luís XIV, vai, no entanto, bem mais longe: descobri que, se as 18 soberanias da Europa, para se conservarem no presente governo, para evitarem a guerra entre elas e para se procurar todas as vantagens de um comércio perpétuo de nação a nação, querem fazer um tratado de união e um congresso perpétuo pouco mais ou menos segundo o mesmo modelo das sete soberanias da Holanda, ou das três soberanias das Suíças, ou das soberanias da Alemanha, descobri, digo, que o grande poder dos mais fortes não poderia prejudicá-los, a não ser que cada um fosse exactamente fiel a promessas recíprocas, que o comércio jamais seja interrompido e que todos os futuros diferendos terminem sem guerra e pela via da arbitragem.
Nestes termos, desdobra o respectivo plano, numa série de artigos: no artigo 1º, uma aliança perpétua entre os soberanos (haverá, a partir de agora, entre os soberanos que assinarem os cinco presentes artigos, uma aliança perpétua para se garantirem nos séculos vindouros das guerras estrangeiras e civis; para se manterem e suas famílias na posse da soberania, segundo a ordem estabelecida nas suas nações respectivas; para diminuírem as despesas militares e aumentarem a segurança pública; para aperfeiçoarem o comércio, leis e instituições de seus Estados; para terminarem prontamente sem riscos nem despesas os litígios futuros; para, enfim, terem a certeza da execução das promessas e tratados recíprocos) ; no artigo 2º, determinava-se que todos os meses os plenipotenciárioas dos soberanos aliados fixariam a quantia com que, na proporção às suas rendas, contribuirá cada Estado para as despesas da grande aliança; no artigo 3º, estabelecia-se que os soberanos aliados nunca mais recorreriam às armas para decidirem as questões que entre eles se levantarem e submeter-se-iam à decisão dos plenipotenciários dos aliados que não entrassem no litígio; no artigo 4º fixava-se que se algum dos aliados recusasse obediência às decisões dos congressos, e se se rebelasse contra ele, a grande aliança o forçaria a submeter-se, e seria obrigado a pagar as despesas que para isso se fizessem; no artigo 5º, fixava-se a possibilidade de revisão do pacto por simples maioria, a não ser para estes cinco artigos, para os quais se requeria a unanimidade, bem como para o caso de qualquer modificação das fronteiras existentes entre os Estados membros .
Todos os Estados que tivessem, pelo menos, um milhão e duzentos mil súbditos, disporiam de um número de votos igual, enquanto os pequenos Estados teriam de se unir para atingir o quorum estabelecido. As decisões do Senado seriam tomadas por maioria e ratificadas, seis meses depois, por uma maioria de dois terços.
No plano militar, previa-se que cada Estado, em tempo de paz, não poderia ter uma força armada superior a seis mil homens. Já em tempo de guerra, o Senado Europeu, sedeado rotativamente em Estrasburgo e em Dijon, nomearia um generalíssimo, que não poderia ser membro de qualquer casa soberana, e constituir-se-ia uma força de quinhentos mil homens, vinte e quatro mil por cada Estado. Condenava-se também qualquer espécie de diplomacia secreta entre os Estados membros.
Finalmente, considerava que todas as soberanias terão sempre os mesmos limites que actualmente dispõem, não podendo qualquer território ser desmembrado de qualquer soberania, nem qualquer outro poderá ser acrescentado por sucessão, pacto entre diferentes casas, eleição, doação, cessão, venda, conquista, submissão voluntária dos súbditos ou qualquer outra forma .
O projecto vale evidentemente como mais uma das boas intenções totalmente inadequadas às circunstâncias daquele equilíbrio absolutista e mercantilista, dado que, nos anos seguintes, novas guerras se seguem, aproveitando os pretextos das sucessões, num confronto entre Habsburgos e Bourbons, como a Guerra de Sucessão da Polónia (1733-1738), a guerra da sucessão da Áustria (1740-1748) e a Guerra dos Sete Anos (1756-1763).
É evidente que o projecto não convinha aos estadistas de então, dado que não só impunha, às soberanias existentes, os limites do direito (a sociedade organizada dos Estados deverá garantir os direitos e a vida de cada Estado) como pretendia conservá-las ou congelá-las nos limites que tinham atingido (todas as soberanias terão sempre os mesmos limites que têm presentemente, nenhum território poderá ser desmembrado de qualquer soberania, e nenhum outro poderá ser acrescentado por sucessão, pacto de casas diferentes, eleição, doação, cessão, venda, conquista, submissão voluntária de súbditos ou qualquer outro).
Estávamos em pleno apogeu do século da força e dos Estados em movimento, onde cada soberano adoptava a máxima que Hobbes atribuíra ao Leviathan em 1651: non est potestas super terram quae comparetur ei. Estávamos num tempo onde a medida do direito era a utilidade e onde cada soberano tinha tantos direitos quanto os respectivos poderes, pelo que cada Estado era um lobo para os outros Estados, numa guerra de todos contra todos.
Contudo, ao contrário do que sucedera com os outros projectistas da paz, o Abade é lido pela opinião crítica da république des lêtres de então, principalmente por Rousseau e por Kant.
Rousseau, por exemplo, em 1756, foi encarregue pela família e pelos amigos do abade de resumir aquilo que qualificava como um fatras de vingt volumes. Em 1761, numas contidas, objectivas e elegantes quarenta páginas publica um Extrait du Projet de Paix Perpétuelle de l'Abbé de Saint Pierre, e, em 1782, volta a referir-se à mesma num Jugement sur la Paix Perpétuelle .
Neste, acusa os soberanos europeus de serem egoístas e ambiciosos pelo facto de não aceitarem as propostas do abade, porque graças ao projecto, caso pudesse ser realizado por pessoas honestas, seria possível estabelecer a république européenne num instante, o que seria suficiente para a fazer durar eternamente, dado que cada um poderia encontrar pela experiência o seu proveito particular no bem comum .
Só que os príncipes não vêem o seu interesse real mas apenas o seu interesse aparente. E aqui eis que Rousseau, em nome do realismo, critica o utopismo do Abade: ele tinha tanto prazer em ver funcionar a sua máquina que dificilmente sonhava nos meios de a fazer andar; a sua imaginação enganava perpetuamente a sua razão .
Assim, tenta corrigir a versão do abade invocando em seu auxílio o grand dessein de Henrique IV, dado acreditar que os meios de realizar a Europa só poderiam realizar-se pela força, para se mudar o estado de coisas: ninguém viu, em nenhum lado, ligas federativas estabelecerem-se a não ser através de revoluções: e, na base deste princípio, quem de nós ousará dizer se esta liga europeia é para desejar ou para recear? .
Se raciocinámos com exactidão ao expor este plano, está demonstrado: 1º que o estabelecimento da paz perpétua depende unicamente do consentimento dos soberanos, e a única dificuldade para a sua realização é a existência que eles lhe possam opor; 2º que esta instituição por todos os modos lhes seria útil, e que não há comparação possível entre os inconvenientes e as suas vantagens; 3º que é razoável supor que a vontade dos soberanos esteja de acordo com os seus interesses; 4º finalmente que esta instituição, organizada conforme o plano proposto, seria sólida e durável e preencheria perfeitamente o seu fim.
Isto não quer dizer que os soberanos adoptarão este projecto (quem pode responder pela vontade de outrem?) mas que o adoptariam se conhecessem os seus verdadeiros interesses; porque, é preciso que se note, não supusemos os homens tais como deviam ser: bons, generosos, desinteressados e amando o bem público por humanidade; mas tais como são: injustos, ávidos e preferindo a tudo o seu interesse.
A única coisa que lhes supusemos foi a razão suficiente para conhecer o que lhes é útil, e o ânimo bastante para fazerem a própria felicidade. Se, apesar de tudo isto, ficar sem execução este projecto, não é porque seja quimérico; mas sim porque os homens são insensatos, e é uma espécie de loucura ser sábio no meio de loucos
Mas Rousseau, nesta crítica a Saint-Pierre, faz ele também uma teoria sobre a união europeia, distinguindo a ideia antiga de confederação, à maneira das anfictionias gregas, das modernas, e considerando que nenhuma daquelas iguala a perfeição do Corpo Germânico, da liga helvética e dos Estados Gerais . Isto é, o genebrino Rousseau, confessa-se adepto do modelo do Sacro Império e coloca, na sua linha de desenvolvimento, tanto o modelo da Suíça como o dos Países Baixos.
Mas diz mais: se acha que estes modelos antigos e modernos são confederações políticas, expressas na legislação dos povos, haveria outras tácitas, mas não menos reais, formadas pela analogia dos costumes, dos interesses mútuos, por uma religião e um direito das gentes comum, pelo comércio, artes e ciências, enfim pela multiplicidade de relações de todo o género. Essa espécie de sociedade seria a então existente na Europa .
O Extrait de Rousseau faz circular o projecto do Abade. Voltaire dedica-lhe o seu Rescrit de l'Empereur de la Chine à l'occasion du projet de Paix Perpétuelle, onde o imperador da China chama, ao autor do projecto, l'abbé Saint-Pierre d'Utopie e constrói um modelo alternativo cuja execução atribui a Frederico II .
Kant (1724-1804), em Ideen zu einer Geschichte der Menschheit in Weltbürgerlicher Absicht, de 1784, defende uma república universal em que cada Estado, mesmo o mais pequeno, pudesse esperar a sua segurança e os seus direito, não do seu próprio poder ou do seu próprio juízo jurídico, mas apenas dessa grande sociedade das nações (foedus amphictyonum), duma força unida e da decisão da vontade comum fundamentada em leis .
A república universal (Weltrepublik) em Kant constitui, assim, um mero princípio regulativo, um mero imperativo categórico. O mesmo imperativo que impõe um Estado-razão, enquanto exigência para se superar o estado de natureza, visando estabelecer o reinado do direito na sociedade das nações. E isto porque a paz pelo direito não é uma quimera, mas um problema a resolver, consequência do reinado do direito, que o progresso um dia estabelecerá .
Nessa obra, Kant considera que o maior problema da espécie humana, a cuja solução a natureza força o homem, é o estabelecimento de uma sociedade civil, que administre universalmente o direito, isto é, a criação de uma sociedade, em que a liberdade, submetida a leis externas, se encontre ligada, o mais estreitamente possível, a um poder irresistível, isto é, à criação duma constituição civil e perfeitamente justa . Ora este problema é, simultaneamente, o mais difícil e o que mais tardiamente é resolvido pela espécie humana , porque o problema do estabelecimento de uma constituição civil perfeita depende do problema das relações legais entre os Estados, e não pode ser resolvido sem se encontrar a solução deste segundo .
Por visionária que esta ideia possa parecer (...) ela é todavia a inevitável saída do estado de miséria em que os homens se põem uns aos outros, miséria essa que há-de forçar os Estados (por muito que lhes custe) exactamente à resolução a que foi forçado, embora contra a sua vontade, o homem selvagem: a de renunciar à sua brutal liberdade e procurar tranquilidade e segurança numa constituição legalmente estabelecida. Assim, todas as guerras são apenas outras tantas tentativas (não na intenção dos homens, mas na da natureza) para suscitar novas relações entre os Estados, e, através da destruição, ou pelo menos do desmembramento dos antigos, formar novos corpos, que por sua vez não são capazes de se manter em si mesmos ou em relação aos outros, pelo que terão de passar por novas e semelhantes revoluções; até que, finalmente, em parte devido à melhor ordenação possível da constituição civil, internamente, em parte devido a acordos comuns e à legislação, externamente, se conseguirá um estado de coisas que, à semelhança de uma comunidade civil, será capaz de se manter por si mesmo como um autómato .
Contudo, é no seu opúsculo Projecto Filosófico da Paz Perpétua (Zum ewigen Frieden ein philosophischer Entwurf), de 1795 que o modelo atinge as suas culminâncias .
Na primeira secção desta obra, elabora uma série de artigos preliminares tendo em vista uma paz perpétua entre os Estados:
1º Nenhum tratado de paz deve valer como tal, se o mesmo foi concluído reservando-se tacitamente matéria para uma guerra futura.
Para Kant, tal tipo de tratado de paz não passaria de um armistício de uma suspensão das armas que, não poderia considerar-se como um estado de paz perpétua.
2º Nenhum Estado independente (pequeno ou grande, pouco importa aqui) poderá ser adquirido por outro Estado, por herança, troca, compra ou doação.
Porque um Estado não é um ter, um património, mas sim uma sociedade humana.
3º Os exércitos permanentes (miles perpetuus) devem ser inteiramente suprimidos com o tempo.
4º Não podem contrair-se dívidas públicas tendo em vista conflitos externos do Estado.
5º Nenhum Estado deve intervir pela força na constituição e no governo de um outro Estado.
6º Nenhum Estado, em guerra com outro, deve permitir hostilidades de natureza tal que tornem impossível a confiança recíproca por ocasião da futura paz: por exemplo: a utilização de assassinatos, de envenenamentos, da violação de uma capitulação, da maquinação da traição no Estado com o qual se está em guerra.
Na segunda secção, enumera os artigos definitivos tendo em vista a paz perpétua entre os Estados:
1º Em todo o Estado a constituição deve ser republicana.
Neste sentido, considera que a constituição primeiramente instituída seguindo os princípios da liberdade pertence aos membros de uma sociedade (enquanto homens); em segundo lugar, seguindo os princípios da dependência de todos, de uma única legislação comum (enquanto súbditos) e, em terceiro lugar, conforme à igualdade desses súbditos (como cidadãos).
2º O direito das gentes deve ser fundado sobre um federalismo de Estados livres.
É que para Kant, os povos, enquanto Estados, podem ser julgados como os indivíduos; no seu estado de natureza (isto é, independentes de leis que lhe sejam exteriores) lesam-se mutuamente, a começar pelo facto de serem vizinhos e cada um, tendo em vista a respectiva segurança, pode e deve exigir do outro, que ambos se submetam a uma constituição, semelhante à constituição civil onde cada um possa ver o seu direito garantido. Isto constituiria uma liga de povos (Völkerbund) que não seria necessariamente um Estado de povos (Völkerstaat ou civitas gentium). Nisso haveria uma certa contradição, dado que qualquer Estado, com efeito, compreende a relação de um superior (o legislador) com um inferior (aquele que obedece, isto é, o povo); mas muitos povos num Estado não constituiria senão um povo (porque devemos aqui ter em conta os direitos recíprocos dos povos enquanto constituem um número determinado de Estados diferentes sem os confundir num só Estado) o que contradiz a hipótese .
Mais acrescenta: o método utilizado pelos Estados para prosseguir o seu direito nunca pode ser um processo como perante um tribunal exterior, mas unicamente a guerra; pela qual, todavia, como pelo seu resultado favorável, a vitória, nada é decidido relativamente ao direito; o tratado de paz de facto põe fim à guerra presente (...) mas não ao estado de guerra .
Deste modo, teríamos um Estado de povos (civitas gentium) que (...) englobaria finalmente todos os povos da terra.
3º O direito cosmopolita deve limitar-se às condições de hospitalidade universal
A hospitalidade era entendida como o direito que tem um estrangeiro, por ocasião da sua chegada ao território de outrem, de não ser tratado como um inimigo.
Constituiria uma defesa da moralização da política. Contra as máximas sofísticas do fac et excusa, do si fecisti, nega, do divide et impera, que constituiriam as astúcias utilizadas pela sabedoria imoral.
Assim, o acordo da política com a moral só é possível numa união federativa — Genossenschaft — (que é portanto dada à priori, e necessária segundo os princípios de direito); e toda a prudência política tem por base jurídica a instituição desta união, dando-lhe o maior desenvolvimento possível.
Kant critica a ideia da monarquia universal, considerando-a como um despotismo sem alma, depois de ter aniquilado os germes do bem, acaba sempre por conduzir à anarquia , defendendo as leis públicas de uma liga de povos que crescerá sempre e abraçará finalmente todos os povos da terra .
Como espaço intermédio, acredita numa simples aliança confederativa entre Estados soberanos: pode chamar-se a esta espécie de aliança (Verein) de alguns Estados, fundada na manutenção da paz, um Congresso permanente dos Estados, à qual é permitido a cada um dos Estados vizinhos associar-se. Tal foi (pelo menos no que diz respeito às formalidades do direito das gentes, relativamente à manutenção da paz) a assembleia dos Estados Gerais que teve lugar em Haia na primeira metade deste século e onde os ministros da maior parte das cortes da Europa, e mesmo as mais pequenas repúblicas, apresentaram as suas queixas contra as hostilidades promovidas por uns contra os outros e fizeram assim de toda a Europa como um só Estado federado, que transformaram em árbitro dos seus diferendos políticos (...) Não é, pois, preciso aqui entender por Congresso senão uma espécie de união voluntária e revogável a qualquer tempo, de diversos Estados e não como a dos Estados Unidos da América, uma união fundada numa constituição política e, portanto, indissolúvel. Só assim pode realizar-se a ideia de um direito público das gentes que acabe com os diferendos entre os povos de uma maneira civil, como através de um processo e não de uma maneira bárbara (à maneira dos selvagens), isto é, pela guerra .
Para ele, o direito dos Estados (Staatenrecht, ius publicum civitatum) é um direito deficiente ou precário, havendo que constituir uma união de Estados (Staatsverein) ou um Estado dos povos (Völkerstaat, civitas gentium), com um direito cosmopolítico (Weltbürgerrecht, ius cosmopoliticum), um direito das gentes que geraria uma liga de povos (Völkerbund) que não teria poder soberano, constituindo uma espécie de federação (Genossenschaft, Föderalitat, foedus Amphyctionum), sempre denunciável, tudo, dentro da sua classificação tripartida do direito público, num crescendo que vai do direito político (Staatsrecht), passa pelo direito das gentes (Völkerrecht), até chegar ao direito cosmopolítico .
Outros autores seguem na mesma senda jusracionalista. Gaetano Filangieri (1762-1786), com o império da paz e da razão, considera que, com o despotismo esclarecido, havia chegado a paz perpétua:
Para ele, a estabilidade das monarquias, formada por uma espécie de liga e de confederação geral, opondo uma barreira à ambição dos príncipes, os obriga a voltarem as suas vistas para os verdadeiros interesses das Nações. Não se ouvem mais retinir à roda dos tronos senão palavras de reforma e de leis; prepara-se uma revolução útil aos direitos e à felicidade dos homens; as desordens debaixo de que eles gemem têm aparecido aos olhos dos soberanos com os sinais espantosos que os acompanham; os seus ouvidos não são mais feridos, como em outro tempo, pelo estrondo das armas; e eles têm escutado os gemidos de uma multidão de vítimas que imola todos os dias uma legislação bárbara e obscura; já se ocupam de todas as partes em curar tantos males; de todas as partes uma fermentação salutífera vai fazer nascer a felicidade pública .
Giambattista Vico (1668-1774), nos seus Prinzipi di una Scienza Nuova intorno alla Commune Natura delle Nazione, Nápoles, 1725, diz que omnis orbis terrarum respublicae un civitas magna cuius Deus hominisque habet communionem . É que, na idade dos homens, haveria uma equidade natural que reina naturalmente nas repúblicas livres, onde os povos, cada qual pelo seu bem particular (e sem entenderem que é o mesmo para todos) são levados a ditar leis universais , dado existir na natureza humana uma língua mental comum a todas as nações .
Montesquieu (1689-1755), em De l'Esprit des Lois, de 1748, considera que as coisas são tais na Europa que todos os Estados dependem uns dos outros. A França tem necessidade da opulência da Polónia e da Moscóvia, como a Guiana tem necessidade da Bretanha e a Bretanha de Anjou, falando na Europa como um Estado composto de várias províncias e utilizando também os qualificativos de Grand République, république fédérative mixte, état plus grand e societé de societés .
O suíço Emerich de Vattel (1714-1767), em Le Droit des Gens ou Principes de la Loi Naturelle appliqués à la conduite et aux affaires des nations et des souverains, de 1758, considera a Europa como uma societé des nations, cujos membros, embora autónomos, se unem para manter uma ordem apoiada na liberdade .
Em 1782, Pierre-André Gargaz, sob os auspícios de Benjamin Franklin, vê por este ser publicado um Projecto de Paz Universal e Perpétua, sob o título de Conciliation de toutes les Nations de l'Europe. O mesmo Franklin observava, então, numa carta escrita a um amigo francês: não descortino porque que não podereis levar a termo na Europa o projecto do bom rei Henrique IV e formar uma união federal e uma grande república de todos os Estados e reinos diferentes, por meio de uma convenção análoga .
Entre 1786 e 1789, Jeremy Bentham (1747-1832) elaborou a Plan for an Universal and Perpetual Peace, mas que apenas foi publicado postumamente, em 1843, como o quarto ensaio dos seus Principles of International Law .
Considerando que a guerra é uma espécie de processo, proclama a necessidade de estabelecimento de um tribunal, sem o que haverá guerra. A decisão dos árbitros, justa ou injusta, salvará a honra e os interesses da nação condenada.
Tentando evitar a guerra, Bentham, o nomocrata, propõe a redacção de um código de leis internacionais, aperfeiçoando as leis já existentes e transformando em lei o que até aí era costume, acreditando que muitas guerras tiveram por única ou principal causa a ignorância ou a incompetência de um legista ou de um geómetra .
Aí imagina a instauração de uma dieta geral ou de uma assembleia das nações, composta por dois deputados por cada potência, a quem caberia julgar as questões que se levantassem entre os Estados, tornar públicas em todos os países federados as suas decisões e proclamar, depois de um certo prazo, em público pregão, nos diversos Estados da Europa, o nome da nação refractária .
Bentham, em vez de se dirigir a príncipes e soberanos, diz dirigir-se aos povos e considera, como elementos prévios da paz, tanto o free trade e a liberdade de imprensa, como a redução dos armamentos e a emancipação das colónias, porque estas tanto seriam uma eterna causa de discórdias e um pretexto para a manutenção e o fomento do proteccionismo .
Mesmo depois da Revolução Francesa, vários autores continuam a pugnar por um modelo de unificação europeia assente na linha mundialista de um projecto de paz perpétua, marcado pelas boas intenções do humanismo laico.
Em 1799, o luterano de obediência morávia, Friedrich von Hardenberg Novalis (1772-1801), em Die Christenheit oder Europa, criticando a Reforma, por ter quebrado a unidade da respublica christiana, considera que talvez a Europa venha a acordar, talvez estejamos na aurora de um Estado dos Estados, de uma Ciência Política (...) é preciso que venha o tempo sagrado da paz eterna, onde a Nova Jerusalém seja a capital .
Considerando que só a religião pode restaurar a Europa, invoca a necessidade de uma paz eterna que só espiritualmente poderia realizar-se, reclama a instauração de uma internacional mística, tal como fôra a Igreja Católica na Idade Média, a única forma que visiona para superar a razão de Estado e a luta dos egoísmos nacionais .
No ano de 1800, sob o nome de Anarcharsis Cloots, pseudónimo de um prussiano de ascendência holandesa, surgiu outro Project de Paix Générale et Perpétuelle, dirigido ao rei de Espanha, onde o ideal unitário da Revolução se volvia num modelo cosmopolita, susceptível de, pelo nivelamento, ser extensivo a todo o género humano . O mesmo autor, já em 21 de Abril de 1792, enviara à Convenção um escrito denominado La République Universelle, onde preconizava uma República Mundial centralizada, cuja capital seria Paris e que ele qualificava como a República dos Homens, dos Irmãos, dos Universais .
No projecto de 1800 defende a constituição em Roma de um tribunal da Europa composto por um membro de cada potência europeia, com a missão de julgar qualquer questão política; garantir uma paz geral e perpétua, e fazer respeitar o direito das gentes, também dito Lei das Nações . O mesmo seria perpétuo e permanente, reunindo duas vezes por semana , cabendo-lhe, do mesmo modo, governar a cidade eterna e os monumentos de Roma, em vez do papa . Aí também se estabelece um curioso programa de desarmamento: em 1805 seriam desmobilizados metade dos exércitos da terra e do mar; em 1810, a totalidade das forças armadas, mantendo-se, contudo, no Mediterrâneo uma força suficiente para enfrentar os piratas barbarescos, se eles continuassem o sistema de pilhagem . Assim se poderia dar ao comércio a maior liberdade possível .
Em 1807, Gondon, com novo Projecto de Paz Geral e Perpétua, condena o modelo vigente de equilíbrio europeu, pelo facto do mesmo assentar na oposição entre blocos rivais e, tentando superar a questão, faz uma divisão entre a independência civil, que continuaria a caber aos Estados, e o domínio político, que passaria a caber à Europa . Ai retoma as ideias de Bentham sobre a paz assente na liberdade de comércio e, rejeitando a fórmula federal, por poder prejudicar a liberdade de cada Estado, propõe um Estado maior que formaria um só governo político; seria este Estado uma sociedade geral composta por várias sociedades particulares, onde os príncipes, sem nada perder da sua soberania, se tornarão, por assim dizer, uns relativamente aos outros, cidadãos para a paz e a felicidade dos povos .
Em 1814, Karl Krause (1781-1832), em Entwurf eines europäischen Saatenbundes als Basis des allgemeinen Friedens ("Projecto de confederação europeia com base numa paz geral"), considera que a confederação jurídica mundial (Erdrechtsbund) constitui o fim último da história do direito.
Um capítulo especial merecem, contudo, os livre-cambistas, como Adam Smith, defensores daquilo que List considera como uma economia cosmopolita, marcados pela ideia cosmopolita da liberdade absoluta , de uma economia humanitária onde a ideia de paz perpétua serve de base a todos os seus argumentos .
Neste sentido, Jean-Baptiste Say pede explicitamente que se admita a existência de uma república universal para conceber a ideia da liberdade do comércio . List cita a propósito o smithiano norte-americano Thomas Cooper que nega mesmo a existência da nacionalidade: uma invenção gramatical, imaginada unicamente para poupar perífrases, uma não-entidade, qualquer coisa que não tem existência a não ser na cabeça dos homens políticos .
Comentando estas posições, List considera que as mesmas assentam sobre uma ideia verdadeira que não tomaram em conta as nacionalidades, os seus interesses, o seu estado particular, e de os conciliar com a ideia de união universal e da paz perpétua. A escola admitiu como realizado um estado de coisas a vir. Pressupõe a existência da associação universal e da paz perpétua, e daí conclui sobre as grandes vantagens da liberdade do comércio. Confunde assim o efeito com a causa. A paz perpétua, existe entre províncias e Estados já associados; é desta associação que derivou a respectiva união comercial; devem à paz perpétua em que vivem as vantagens que esta lhes concedeu. Todos os exemplos que nos apresenta a história mostram-nos que a união política precede a união comercial. Ela não contribui para nada sempre que a segunda cortou o acesso à primeira. No estado actual do mundo, a liberdade do comércio levaria, em lugar da república universal, à sujeição universal dos povos, à supremacia da potência preponderante nas manufacturas, no comércio e na navegação.
A república universal, tal como a entendiam Henrique IV e o abade de Saint-Pierre, isto é, uma associação na qual todas as nações reconheceriam entre si um regime legal renunciariam a fazer justiça por elas mesmas, não é realizável a não ser que um certo número atinja um certo grau de igualdade de indústria e de civilização, de educação política e de poder. A liberdade do comércio não pode estender-se a não ser pelo desenvolvimento gradual desta união; é apenas através dela que se torna possível conceder a todos os povos as grandes vantagens que as províncias e os Estados associados nos oferecem hoje como exemplo. O sistema protector, enquanto o único meio de elevar os Estados menos avançados em civilização ao nível da nação preponderante (...) aparece (...) como o mais poderoso produtor da associação final dos povos, e por consequência da liberdade do comércio .
Link,http://www.iscsp.utl.pt/cepp/teoria_das_relacoes_internacionais/jusracionalismo_humanitarista.htm, consultado a 13 de Julho de 2006